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Rumo a uma zona de pouso estagflacionária

12 de março de 2025

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À medida que as principais políticas e iniciativas do novo governo nos EUA vêm à tona, é possível estimar com razoável precisão suas prováveis consequências, domésticas e internacionais. No curto prazo, as ações de maior impacto são as severas restrições à imigração e as tarifas de importação mais altas que já estão sendo implementadas 

Quanto ao provável impacto na América, um instigante estudo do Peterson Institute for International Economics sugere fortemente que ele é negativo em qualquer cenário, desde o que considera controles de imigração limitados, aumento moderado nas tarifas de importação e nenhuma retaliação de outros países até outros que contemplam restrições bem mais disruptivas, juntamente com represálias de outras nações ou a erosão da independência do Federal Reserve.1 Como essas ações geram choques adversos de oferta na economia, via de regra implicam nível menor de PIB real e maiores preços ao consumidor. A modelagem de várias situações hipotéticas em arcabouço de análise de equilíbrio geral intertemporal para aferir efeitos transnacionais suporta a hipótese de que, além da China, outras economias podem perder menos que os EUA ou até ganhar com medidas tomadas por Trump para reparar o equilíbrio de investimento, criação de empregos e comércio (Gráficos I e II); um resultado contraintuitivo. Por óbvio, quanto mais radicais forem o nacionalismo e o protecionismo em Washington, tanto mais severas serão as distorções. Nesse contexto, perdas estimadas em métricas de bem-estar econômico podem ser até 15 vezes maiores, dependendo de quão abrangentes são as mudanças ou de como elas são combinadas.

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Há mais, porém. Dada a perspectiva de deportação em massa, o fato é que cada novo imigrante adicional e seus descendentes com mais de 75 anos implica benefício marginal para o orçamento federal dos EUA de cerca de US$ 336.000 em valor presente, eis que pagam mais em impostos sobre renda e folha de pagamento do que usufruem benefícios de bem-estar social. Logo, menor imigração também piora a perspectiva fiscal e migração líquida negativa (ou seja, um fluxo de emigração) de milhões de indivíduos, como sugerido pelas metas agressivas de deportação de Trump, implica ampliar as necessidades de financiamento do setor público em várias centenas de bilhões de dólares. Pior ainda, a Câmara dos Deputados dos EUA aprovou resolução orçamentária com cortes significativos de impostos. Supondo que o Senado aprovará legislação semelhante, as novas medidas acrescentariam ao déficit pelo menos US$ 2,8 trilhões antes dos pagamentos de juros, ou US$ 3,4 trilhões após o serviço da dívida, até 2034. 2 Certamente não são desenvolvimentos encorajadores para uma economia cujo endividamento já está em 123% do PIB.

Quais seriam os marcos-chave se os EUA experimentarem uma aterrissagem estagflacionária, ou seja, uma combinação de crescimento mais lento e inflação mais alta? Com toda probabilidade o estágio inicial compreenderá variação do IPC, agora teimosamente pairando em torno de 3% a.a., subindo nos próximos trimestres. Em grande medida tal resultado seria consequência de políticas econômicas domésticas, em especial maiores tarifas de importação e déficits fiscais. Outrossim, fatores externos possivelmente desempenharão algum papel. Um indicador antecedente preciso do aumento do custo de vida em qualquer geografia é a necessidade de gastar mais com produtos agrícolas, que, consoante o Banco Mundial, compreendem não só alimentos e bebidas, mas também matérias-primas como madeira, algodão e borracha, que são fatores de produção na fabricação de bens de consumo, intermediários e de capital. E o proverbial canário na mina de carvão já está dando sinais de angústia: taxa de aumento de preços de dois dígitos em mercados mundiais (Gráfico III).

Decerto a situação atual é distinta da vivenciada após a pandemia em 2020-21, quando os preços agrícolas globais saltaram quase 40% e a inflação ao consumidor nos EUA atingiu 9%. Naquela época, regiões avançadas tipicamente combinavam taxas de juros mínimas com maciço estímulo fiscal para evitar depressão econômica e convulsão social. Uma analogia útil do que pode ocorrer na América seja a história que agora se desenrola na maior nação da América Latina. No Brasil, a imigração não é um problema, enquanto a alta nos gravames de importação - principalmente em compras internacionais on-line de até US$ 50, bem como em ferro e aço importados - foi só marginal. Porém, o déficit orçamentário disparou no primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula, de 4,6% do PIB em 2022 para 8,8% em 2023. A reviravolta nos termos de troca agrícolas no mundo somou-se depois a questões locais e ajudou a empurrar a variação do IPCA para cima do limite superior da meta em 2024 (3% mais ou menos 1,5%), tanto que o banco central encerrou o ciclo de flexibilização monetária e opera no sentido oposto desde setembro passado.

Os últimos eventos no Brasil são ainda mais reveladores. Por conta das regras do arcabouço fiscal e da irada reação do mercado, o governo teve que conter gastos e – aceno ao liberalismo - correu para assinar acordo de livre comércio com a União Europeia (UE), junto com os pares do Mercosul. Enquanto isso, porém, a taxa básica de juro atingiu mais de 13% a.a. (Gráfico IV). Não espanta que a atividade econômica esteja se abatendo, o desemprego subindo, a inflação ao consumidor ainda esteja acima da meta e o índice de aprovação do presidente Lula despencando. Nos EUA os desafios orçamentários podem ser menos sérios que os brasileiros, mas os choques adversos resultantes do protecionismo e das restrições à imigração são particularmente preocupantes. Ocorre que a situação econômica não é maldição nem destino: a UE, outra região desenvolvida, está implementando políticas menos contenciosas e está experimentando variações menores dos IPCs, juntamente com custo d capital em declínio.

1 McKibbin, W., Hogan, M. & Noland, M. “The International Economic Implications of a Second Trump Presidency”, PIIE, Working Paper 24-20, setembro.

2 Edelberg, W. Esterline, C., Veuger, S. & Watson, T. (2024). “Immigration and the macroeconomy after 2024”. The Brookings Institution, dezembro. Ver também “House Budget Allows At Least $2.8 Trillion of Deficit Increases” by Committee for a Responsible Federal Budget, 21-fev-25, disponível em https://www.crfb.org/blogs/house-budget-allows-least-28-trillion-deficit-increases.

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