Em 18 de dezembro, o presidente do Federal Reserve, Jay Powell, balançou os mercados financeiros globais. Em simpósio que debatia a eficácia da política monetária, ele admitiu que as projeções de inflação no final do ano "meio que ruíram" e as autoridades agora creem que levará muito mais tempo para que a taxa anual de variação dos preços ao consumidor na América atinja a meta de 2%. A subsequente desvalorização de ativos financeiros devido ao temor de taxas de juros mais altas por mais tempo foi a pior após uma reunião do Fed desde o início da crise da pandemia em 2020. Porém houve mais.
No dia seguinte, o México elevou temporariamente as tarifas de importação sobre produtos acabados de vestuário para 35% e aumentou para 15% as cobradas sobre têxteis. Embora o governo mexicano tenha declarado que a decisão não visa nenhum país específico, ela isenta apenas nações com as quais há acordos de livre comércio e se soma a resolução semelhante anunciada antes, que afetou importações de alumínio, plásticos e, novamente, têxteis. Como se encaixam em um padrão crescente de restrições, há motivos razoáveis para crer que essas ações buscam atender aos protestos de Trump, reeleito, que alega que a China usa outras geografias como porta dos fundos para entrar ilegalmente no mercado dos EUA. A maré de protecionismo na América do Norte já está, portanto, em alta.
Quanto ao maior ceticismo de Jay Powell, ele está bem fundamentado. A métrica preferida de inflação do Fed – o núcleo das despesas pessoais de consumo (PCE) – exibia variação anual de 2,6% em meados de 2024, mas agora ela é de 2,8%, afastando-se ainda mais da meta de 2%. Ademais, exercícios econométricos realizados pela autoridade monetária para estimar o impacto das reformas e mudanças que o novo governo pode promover provavelmente indicam mais pressões inflacionárias adiante. Se a história serve de guia, vale notar que ações econômicas controversas da mesma natureza antes da pandemia fizeram com que a taxa anual de inflação ao consumidor durante o primeiro mandato de Trump quase dobrasse frente aquela do presidente Obama em sua segunda gestão (Gráfico I).
Naquela época, o maior desafio macroeconômico era escapar do duplo espectro de deflação e depressão que assombrava desde a Crise Financeira Global em 2008-9, então o salto de uma média de 1,1% para 2,1% a.a. não gerou grande preocupação, mesmo levando em conta que houve apenas aceleração marginal do crescimento real do PIB.1 O ponto de partida agora, porém, é consideravelmente mais alto. Consequentemente, uma alta de proporções semelhantes catapultaria a taxa para mais de 5% a.a.
Isso posto, maior protecionismo piora significativamente o problema. De fato, estimativas que incorporam apenas os efeitos de maiores tarifas de importação sobre insumos intermediários no mundo – distorções induzidas por taxas de câmbio, por exemplo, não fazem parte da análise – sugerem fortemente que há impacto líquido negativo no valor agregado de todas as categorias de bens finais produzidos (Gráfico II).2 Por óbvio, commodities primárias têm menos estágios de produção, portanto a perda é comparativamente menor (-1%). No extremo oposto estão produtos agrícolas processados, cujo efeito estimado é de -25%. E curvas de oferta movendo-se na direção errada implicam crescimento mais lento da produção com maior pressão inflacionária, uma mistura tóxica.
Ao sul do continente, porém, o quadro é mais encorajador. No início de dezembro, precisamente quando Trump 2.0 se tornou iminente, os países do Mercosul – Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai –concordaram enfim com os termos de um acordo de livre comércio com a União Europeia (UE), negociação que começou em 1999. Abarcando mais de 700 milhões de pessoas e quase 25% do PIB global, ele visa gradualmente eliminar tarifas e barreiras que afetam até 91% dos bens e serviços comercializados entre as duas áreas, facilitando assim tanto a exportação e importação como a realização de investimentos em ambas as geografias. Quando a China acaba de proibir a exportação de minerais-chave, como germânio e gálio, em retaliação aos controles impostos pelos EUA sobre a tecnologia de semicondutores, a nova parceria é claro sinal ao mundo de que dois grandes grupos de economias "rejeitam o protecionismo e estão abertos para negócios e comércio com base em regras justas e padrões elevados", como afirma o comunicado oficial à imprensa. Nesse contexto, matérias-primas críticas (MPC) são item fundamental do acordo, pois o Mercosul e seus países associados têm reservas substanciais de MPCs (Gráfico III), que são insumos essenciais para modernas tecnologias.3 No entanto, os respectivos Legislativos ainda precisam dar o sinal verde. Nesta fase, o maior obstáculo está na Europa porque, além do Parlamento Europeu, pelo menos 15 dos 27 países-membros da UE, que abrigam 65% da população da região, têm de aprovar toda a legislação pertinente.
Os efeitos positivos do livre comércio sobre investimentos e crescimento real do PIB emergem gradualmente, e outros fatores fundamentais podem no curto prazo ampliar ou obstruir tais desenvolvimentos. As distintas situações fiscais de Argentina e Brasil, as duas maiores nações do Mercosul, provêm exemplos valiosos dessa dicotomia. Sem maioria no Congresso, o presidente argentino, Milei, tinha margem mínima para gerar economias fiscais. No entanto, ele fechou 13 de 22 departamentos governamentais, demitiu cerca de 36.000 funcionários e cortou gastos federais em 32%, certamente um dos ajustes mais drásticos nas finanças públicas já vistos. Em menos de um ano ele transmutou um déficit antes dos pagamentos de juros de US$ 16 bilhões em superávit de US$ 10 bilhões, o que gerou um salto na atividade econômica e valorização cambial de 44% no acumulado do ano (Gráfico IV). Em contraste com tão impressionante progresso, a lentíssima redução do déficit primário brasileiro deflagrou depreciação cambial de 14% e deprimiu os preços de ativos, sugerindo que a inépcia orçamentária encobrirá os benefícios do acordo com a UE.
1 O cálculo não inclui 2020, quando o choque adverso do COVID-19 levou a forte queda do PIB. Se tal dado fosse incluído, a taxa de crescimento econômico seria bem mais fraca.
2 Lederman, D., & Maloney, W. F. (Eds.). (2007). Natural Resources: Neither Curse nor Destiny. World Bank Publications & Stanford University Press, pp. 341--2.
3 Países associados ao Mercosul são Chile, Colômbia, Peru, Equador, Guiana, Suriname e Panamá.
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