Precisamente no mesmo dia, 18 de setembro, os comitês de política monetária dos bancos centrais de Estados Unidos e Brasil foram em direções inteiramente opostas. De um lado, o Fed cortou o juro básico em 50 pbs, para 5% a.a., e anunciou o início de um ciclo de afrouxamento. Do outro, o Bacen elevou-o em 25 pbs, para 10 ¾% a.a. e avisou que aumentos adicionais virão se houver evidência de pressões de alta persistentes sobre a inflação.
Já vão longe os dias da “Grande Convergência”, quando as principais economias sincronizavam suas políticas econômicas. Mas mesmo levando em conta que a presente globalização fraturada implica dispersão e assincronia, é instrutivo investigar por que os dois países estão agora em rotas opostas. Para começar, a correlação entre as ações do Federal Reserve e do Banco Central do Brasil não é grande e neste século episódios de sincronização advieram muito mais de choques globais adversos que impeliram o Fed a afrouxar as condições monetárias para evitar uma depressão mundial (Gráfico I). Ademais, há tendência histórica de queda do juro básico no Brasil, a despeito de ocasionais soluços, ao passo que a inclinação nos EUA é menos clara.
No que toca ao ciclo econômico, enquanto o Fed está em aproximação final para um pouso suave, no jargão aeronáutico, com expectativas de inflação ancoradas e modesta alta do desemprego, a situação que o banco central brasileiro enfrenta é inteiramente distinta (Gráfico II). Desde o primeiro trimestre deste ano, indicadores antecedentes do nível de atividade veementemente apontam para aceleração do crescimento real do PIB, sem se intimidar com juros de dois dígitos e graças a fatores domésticos, tais como um robusto mercado de trabalho. Decerto, a taxa brasileira de desemprego de 6.6% é alta para os padrões de economias desenvolvidas, mas é significativamente menor que a média de 10.9% registrada nos últimos 10 anos. Ocorre que, na visão do copo meio vazio, tal animação é inconsistente com desinflação. De fato, a mediana das expetativas do mercado para a taxa de variação do IPCA nos próximos 12 meses é de quase 4%, quase um ponto percentual acima do centro da meta, e sem sinais de queda. Hora de recolher o proverbial carrinho com as biritas, antes que a festa vire esbórnia.
Por certo as autoridades monetárias no Brasil usam o livro-texto ao alterar a postura de política monetária para preservar sua credibilidade. Estimativas de função reação tipo regra de Taylor sugerem que, tudo o mais constante, elevar a taxa Selic para 11.5% a.a. conseguiria reduzir a inflação ao consumidor para 3% a.a. Contudo, há risco de aperto suplementar. E a razão para tal tem a ver com assegurar uma das virtudes da Antiga Roma, a saber, gravitas. Senso de responsabilidade e comprometimento com a missão são qualidades sempre em alta demanda para autoridades do governo. O fato que o próximo titular do Bacen, Galipolo, terá que calçar sapatos bem grandes ao suceder a Campos Neto em dezembro próximo – a primeira transição na era da independência formal do banco central – pode levar o primeiro a demonstrar sua seriedade de propósitos indo um pouco além daquilo que considerações puramente técnicas justificariam.
Nesse caso, a mudança de política no Brasil visa fortalecer as instituições. Bem distinta é a história que está sendo contada na segunda maior economia latino-americana. A recém-eleita presidente do México, Scheinbaum, seguramente recebeu herança complicada de seu predecessor. O sempre controverso López Obrador deixou o cargo após tirar milhões pessoas da pobreza e, para surpresa de ninguém, com índices de aprovação de quase 70%. Por outro lado, falhou no combate à violência desenfreada – as taxas de homicídio no México ainda estão entre as maiores do mundo – e ao crime organizado, que é o quinto maior empregador no país, segundo estudo recente.1 Porém há mais.
Tendo assegurado maioria qualificada no Congresso depois das eleições gerais de junho passado, López Obrador agiu decisivamente em suas últimas semanas no poder para alterar a constituição, consolidando o que chama de “quarta transformação” e redesenhando as instituições de forma inédita desde a revolução mexicana de 1917 e a guerra de independência no século 19. Nesse contexto, expandiu o aparato militar em áreas previamente reservadas à sociedade civil numa escala antes inimaginável e busca eliminar órgãos autônomos como o Instituto Nacional de Transparência, Acesso à Informação e proteção de Dados (INAI), o Instituto Federal de Telecomunicações (IFT) e a Comissão Federal de Competição Econômica (COFECE).
De forma mais funesta, os legisladores mexicanos emendaram a constituição e definiram a eleição, sob os auspícios de uma máquina política controlada pela coalizão governista, de todos os juízes, inclusive da Suprema Corte, além dos que servem em outros tribunais federais e estaduais. Um Tribunal Judicial Disciplinar eleito terá autoridade para punir, suspender ou destituir magistrados, e não caberão recursos às suas decisões. Até hoje apenas um país tentou algo similar: a Bolívia, desde 2011. Quanto ao resultado, piorou ainda mais o Estado de Direito. Segundo a mais recente edição do World Justice Project, o sistema boliviano é o 131º dentre 142 nações e afundou para níveis comparáveis aos da Venezuela, que é uma ditadura (Gráfico III).2
Se levar a cabo as polêmicas reformas de seu antecessor, Scheinbaum joga com a estabilidade institucional e pode transformar seu país em uma democracia não liberal que alardeia participação popular, mas carece de separação de poderes e proteção dos direitos humanos. Um grande retrocesso, que deverá enfrentar reação negativa de seus pares na OCDE e parceiros no Acordo Estados-Unidos-México-Canadá (USMCA). Por fim, reforçaria uma tendência de longo prazo de aumento do risco soberano mexicano (Gráfico IV), levando assim a um crescimento econômico menor e à maior exclusão social, resultados exatamente opostos àqueles pretendidos pelos seus proponentes.
1 Rafael Prieto-Curiel et al. (2023) “Reducing cartel recruitment is the only way to lower violence in Mexico”. Science 381,1312-1316, setembro.
2 Peñaranda, R. U. (2024) “Bolivia Is a Warning for Mexico’s Judicial Reform”. Americas Quarterly, datado 10 de setembro.
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