Quatro anos depois, eleições gerais se avultam novamente nos EUA. Em 5 de novembro os americanos votarão para presidente, renovarão todos os 435 membros da Câmara de Representantes (Deputados), 34 dos 100 senadores e 13 governadores de estado. Também acontecerão simultaneamente votações estaduais e municipais sobre temas específicos.
Desta vez há razões muito prováveis para crer que não será a egrégia festa da democracia. Ao contrário, o número de ações judiciais já impetradas por partidos e grupos políticos em estados decisivos e que podem nortear como os votos são depositados ou contabilizados está na casa das centenas, e segue aumentando. No fim de outubro, o cenário ligeiramente mais provável era o de a candidata Democrata, Kamala Harris, receber mais votos que seu opositor Republicano, Donald Trump (Gráfico I), mas não alcançar a necessária maioria no Colégio Eleitoral (CE). Tal desfecho, recorde-se, seria o mesmo daquele registrado na disputa de 2000, quando Al Gore derrotou George W. Bush nas urnas (48,4% contra 47,9%), mas perdeu no CE por um fio de cabelo (266 contra 271), resultado, aliás, bastante contestado e judicializado. De forma similar, em 2016 Hillary Clinton bateu Trump em votos populares (48,2% contra 46,1%), porém perdeu no CE por ampla margem (227 contra 304).

Em um ambiente de crescimento econômico mais forte que o previsto, baixo desemprego, menor taxa de aumento de preços ao consumidor e juros cadentes, o candidato a presidente do partido governante deveria triunfar facilmente sobre qualquer adversário. Contudo, estes não são tempos comuns na América. Portanto, esta é uma eleição totalmente inusitada. Talvez um dos temas mais espantosos seja o da polarização, que se tornou tão extrema que fatos ou dados que vão de encontro a crenças e expectativas são rejeitados, minando assim os processos cognitivos de correção de erros. Em sondagens, os americanos consistentemente elegem a economia como uma de suas principais preocupações, apesar da série de estatísticas mostrando situação cada vez melhor. Ipsos, uma entidade especializada em opinião pública, fez interessante estudo em outubro. Uma das perguntas feitas a entrevistados foi “A inflação caiu ao longo do último ano no país e está perto das médias históricas; verdadeiro ou falso?”. O hiato entre os que acertaram – a variação do IPC “cheio” em 12 meses está até pouco abaixo da média de longo prazo (Gráfico II) – e tendem a votar nos Democratas, e os que erraram e inclinam-se a votar nos Republicanos é reveladora: 72 pontos percentuais.1 A divisão nas percepções dos problemas sociais pode ser estarrecedora. A afirmação “Os crimes violentos chegaram ou estão quase nas máximas históricas na maioria das grandes cidades americanas” é empiricamente incorreta, mas existe um abismo – nada menos que 91 pontos percentuais – entre as respostas dos dois grupos.
Salvo em alguns interlúdios históricos, questões domésticas são o foco das eleições presidenciais nos EUA. Ocorre que muitas vezes a forma com que elas são consideradas tem consequências significativas para o resto do mundo. Por exemplo, no sensível tema de imigração as plataformas dos dois candidatos diferem mais em grau do que em essência. Portanto, a linha dura nas fronteiras deverá levar a mais deportação de imigrantes ilegais, além de outras ações restritivas, quem quer que ganhe em 5 de novembro. Quanto ao impacto esperado, há literatura robusta mostrando a resultante líquida adversa de tais políticas no longo prazo para crescimento do produto potencial, geração de emprego, renda do trabalho e receitas tributárias nos diversos níveis de governo.2 O protecionismo comercial que caracteriza propostas democratas e republicanas, que diferem em gradação, mas não em substância, deve ter consequências semelhantes. Ademais, não há traço de estratégias críveis de estabilização fiscal em nenhum dos lados da disputa, o que é bastante preocupante, dado o contexto de escalada do endividamento público.
No âmbito de uma globalização fraturada, esses são sinais perturbadores. Porque sua velocidade de cruzeiro se estabilizou desde a virada do século, os EUA em grande medida colocaram uma rede sob o trapézio no que toca a quanto a atividade econômica global pode cair (Gráfico III). O crescimento do PIB real per capita no mundo, todavia, é agora 40% menor que antes da Crise Financeira Global em 2008-9, enquanto a taxa em algumas nações-chave como a China despencou 60%. No lado fiscal, é inédito o fato de a razão dívida/PIB do governo americano estar consistentemente acima de 100% quando não há conflagração bélica mundial ou pandemia a ser combatida, e isso conspira para minar a estabilidade financeira mundial. Porém, há mais.
Porque a implementação de políticas em superpotências tem sempre repercussões alhures, é provável que movimentações tectônicas ocorram no rescaldo das eleições nos EUA. Novas medidas protecionistas e uma postura mais dura no que toca a imigração prenunciam aumento das tensões com México, China e União Europeia. Ademais, é difícil ver como tais ramificações podem melhorar a situação em regiões devastadas por guerras, tais como Oriente Médio e Europa Oriental. Muito pelo contrário, parece que o mundo está prestes a receber outra dose de globalização fraturada, na qual os protagonistas promovem agendas externas que já não são cooperativas e levam a fluxos comerciais e de investimento mais débeis. Não surpreende que tal cenário leve a um crescimento mundial mais lento, embora não seja uma situação homogênea. De acordo com a última edição do World Economic Outlook do FMI, o PIB real per capita na Ásia Emergente deverá aumentar a uma taxa bem menor do que a dos últimos 10 anos (Gráfico IV), mas em regiões com risco geopolítico comparativamente mais baixo e melhor dotação de recursos naturais, é provável que ela acelere. A América Latina, onde economias como o Brasil vêm surpreendendo positivamente, é o melhor caso em tela.
1 Ver https://www.ipsos.com/en-us/latest-us-opinion-polls. Nos EUA a taxa média de inflação ao consumidor desde 1960 é de 3,8% ao ano, enquanto o IPC “cheio” subiu 2,4% em relação ao ano anterior em sua mais recente medição, em setembro de 2024.
2 Uma referência clássica é Simon, J. L. (1999) The Economic Consequences of Immigration. Ann Arbor: University of Michigan Press. Para um apanhado mais recente, ver Lynch, R. G. and Ettlinger, M. (2024). “Literature Review on the Economic Consequences of the Deportation of Unauthorized Immigrants”. Disponível em SSRN: https://ssrn.com/abstract=4898970.
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